domingo, 15 de maio de 2016

Uma semana histórica

Amigos formulaúnicos,
Sei que o segundo trocadilho com a crise política não terá a mesma graça, mas é que o calendário tem conspirado a favor. A Fórmula 1 foi surpreendida na semana passada pela implacável decisão da Red Bull de substituir Daniil Kvyat por Max Verstappen, depois da desastrada atuação do russo em Sochi, colidindo duas vezes com Vettel e arruinando a corrida de ambos.
Embora Verstappen seja reconhecido há algum tempo como um fenômeno em desenvolvimento, a reação predominante entre os especialistas foi de que "pode ter sido muito cedo", e a possível precipitação da Red Bull, além de aniquilar a autoestima de Kvyat, poderia comprometer a evolução do próprio Verstappen.
É só pensar nos últimos pilotos que tiveram de entrar numa equipe no meio da temporada, ignorando aqueles que o fizeram por motivos econômicos:
Um jovem Mika Hakkinen assumiu a posição do demitido Michael Andretti na McLaren no final de 1993, abandonando na estreia e conseguindo no máximo um terceiro lugar, enquanto o seu companheiro, Ayrton Senna, vencia as duas últimas corridas da temporada.
O estreante David Coulthard assumiu o lugar deixado na Williams em 1994 pela morte de Senna, e conquistou um pódio em oito corridas, enquanto o seu companheiro Damon Hill vencia cinco vezes na luta pelo título contra Michael Schumacher.

O já experiente Mika Salo substituiu o machucado Schumacher na Ferrari no meio da temporada de 1999, chegou em nono na estreia, sacrificou a melhor chance de vitória na corrida seguinte, deixando Irvine passar para aumentar suas chances de título, e terminou o ano com mais um pódio, ao mesmo tempo em que o o norte-irlandês vencia duas corridas.
O estreante Sebastian Vettel substituiu o machucado Robert Kubica na BMW por uma corrida em 2008, teve uma classificação decente, uma largada ruim e uma razoável corrida de recuperação, chegando em oitavo em Indianápolis.
O eterno reserva Luca Badoer substituiu o machucado Felipe Massa na Ferrari por duas corridas em 2009, e só conseguiu reforçar o seu recorde de maior número de GPs sem marcar pontos (52), chegando em 17º em Valência e 14º em Spa. O vexame foi tão grande que a Ferrari recorreu a Giancarlo Fisichella, que vinha em grande fase na Force India, conquistando a única pole e o primeiro pódio da equipe em Spa, para substituir Massa até o fim da temporada, mas o italiano não teve melhor sorte: cinco corridas sem pontuar, enquanto Raikkonen, na outra Ferrari, marcava um pontos em três delas, com um pódio em Monza.
Esse breve histórico recomendava uma certa cautela ao avaliar o desempenho de Max Verstappen. Se o adolescente holandês tivesse uma classificação medíocre, uma largada errática, um erro sob pressão, tudo seria perfeitamente natural, resultado da aclimatação na equipe, que não é exatamente nova para ele, por ser da mesma família Red Bull, mas é muito diferente da pequena Toro Rosso, desde os motores Renault à cobrança implacável de Christian Horner e Helmut Marko.
Logo na classificação, Max mostrou ao que veio, andando mais rápido que Daniel Ricciardo no Q1 e no Q2, e só um desempenho perfeito do australiano no Q3, sem dúvida a melhor volta de todo o fim de semana dentre todos os pilotos, garantiu que o piloto nº 1 da Red Bull largasse em terceiro, com o estreante Max num ótimo quarto lugar, na segunda fila, 0,4s mais lento.
A surpresa que ofuscou todas as outras e ressignificou a decisão da Red Bull veio na corrida. A desastrada tentativa de ultrapassagem de Hamilton sobre Rosberg, que tirou os dois pilotos da Mercedes da corrida, abriu caminho para uma disputa equilibrada entre Red Bull e Ferrari. Em Barcelona, como era de se esperar, a questão foi decidida na estratégia: cada equipe tentou fazer duas paradas com um piloto (Verstappen e Raikkonen) e três paradas com o outro (Vettel e Ricciardo).
A estratégia que parecia ser a vencedora foi usada com os ponteiros, e então Verstappen e Raikkonen herdaram a briga pela liderança. O terceiro jogo de pneus não rendeu o esperado e Vettel e Ricciardo entraram para uma terceira troca sem conseguir andar rápido o suficiente para compensar o pit stop adicional.
Quando ficou claro que a estratégia vencedora era a de duas paradas, lá pela 50ª das 66 voltas, todos os olhos se voltaram para Verstappen. O adolescente holandês, que em 2015 se destacou por suas ultrapassagens ousadas e por cometer relativamente poucos erros para a idade (exceto pela pancada em Romain Grosjean em Mônaco), precisava provar que tinha outras qualidades indispensáveis para um campeão da F-1: sangue-frio e consistência.
E Max não decepcionou: conservou os pneus admiravelmente, andou rápido o tempo todo, não cometeu nenhum erro, mesmo tendo Raikkonen por vários vezes a menos de 1s de diferença, usando o DRS para se aproximar.
A vitória de Max Verstappen é histórica não só pelo motivo óbvio da precocidade absurda (com 18 anos e 7 meses, seu recorde dificilmente será quebrado, sobretudo depois que a FIA estabeleceu a idade mínima de 18 anos para competir na F-1, exatamente por conta de sua criticada estreia aos 17 em 2015), mas por diversos outros motivos:
1) Foi a primeira vez desde o GP do Bahrein de 2010, vencido por Fernando Alonso com a Ferrari, em que um piloto ganhou a corrida na sua chegada a uma nova equipe;
2) Foi a primeira vitória da Red Bull desde 2014, e a primeira depois do sério desentendimento com a Renault;
3) Foi a primeira vitória de um holandês na Fórmula 1;
4) Foi a primeira vez desde o GP da Austrália de 1994, vencido por Nigel Mansell com a Williams, em que um piloto ganhou depois de chegar a uma equipe no meio da temporada, mas o inglês só conseguiu isso na sua quarta corrida. Emerson fizera o mesmo com a Lotus em 1970, no GP dos Estados Unidos, em que a vitória do brasileiro garantiu o título póstumo de Jochen Rindt.
5) Não tive paciência para verificar temporada por temporada, mas provavelmente foi a primeira vez desde 1961, quando Giancarlo Baghetti venceu pela FISA, com uma Ferrari, no GP da França, em que um piloto conseguiu ganhar sua corrida de estreia por uma nova equipe no meio da temporada.
Max Verstappen, aos 18 anos, subiu ao lugar mais alto do pódio ao lado de um piloto com 16 anos de F-1 (Raikkonen) e do piloto que antes dele quebrara todos os recordes de precocidade (Vettel). Estava à vontade entre os grandes, que sem dúvida é o seu lugar.

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